História

Pelotas tem o primeiro sítio arqueológico indígena protegido em área urbana

Pesquisa resgatou mais de 720 fragmentos originários do povo Guarani em terreno no loteamento Amarilis, no Laranjal

Foto: Jô Folha - DP - Em breve, os materiais estarão disponíveis para o público conferir

Quem costuma circular pelo residencial Amarilis, um condomínio aberto no Laranjal, já se deparou com uma grande placa do Instituto de Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em frente a uma área de mata verde delimitada por moirões. Trata-se de uma área histórica, pois nela está o primeiro sítio arqueológico indígena protegido e sinalizado em área urbana de Pelotas. O estudo e o material estarão, em breve, à disposição do público na Reserva Técnica do Laboratório de Ensino e Pesquisa em Antropologia e Arqueologia do Instituto de Ciências Humanas (Lepaarq/ICH/UFPel).

Os indícios de um sítio no local surgiram em 2012, mas foi em 2019, após o início do trabalho de loteamento de uma área do condomínio, que uma denúncia ao Iphan e ao Ministério Público sobre possíveis irregularidades levou a uma análise da situação. A partir de então, a empreendedora Navarini Engenharia Ltda. assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e contratou a empresa Locus Arqueologia e Consultoria Ltda. para a execução do estudo, iniciado em 2020. As pesquisas científicas e de campo foram concluídas no último mês de março e o trabalho minucioso da equipe em registrar cada fragmentos (mais de 720) resultou no relatório a ser enviado ao Instituto.

De acordo com as arqueólogas Luciana da Silva Peixoto (coordenadora científica) e Vitória Ferreira Ulguim (coordenadora de campo), que contaram com 12 profissionais, o local específico foi um assentamento Guarani em área de dunas. “A análise da cultura material evidenciada nas escavações do sítio indica que se trata de um sítio sazonal, como um acampamento ou posto com atividades específicas de fabricação de utensílios cerâmicos, ou mesmo somente para coleta de argila dentro do contexto de domínio do território Guarani regional, conhecido como Teko’a”, explica Luciana.

Os vestígios cerâmicos encontrados são predominantemente pequenos, tanto em espessura quanto em tamanho, e há pouca variabilidade morfológica. As arqueólogas dizem ainda que pela pequena quantidade de material resgatado, pode indicar um sítio com baixa densidade populacional. No entanto, estudos apontam que o território Guarani Teko’a Arroio Pelotas abrange uma área de 35 quilômetros de raio.

Potencial histórico

As pesquisas realizadas no Laranjal, com registros de sítios arqueológicos pré-coloniais, datam de 1970, com descobertas na região do Totó, Arroio Sujo, Ecocamping, antigo hospital, Vila Mariana e Las Acácias. No entanto, a recente descoberta, segundo as especialistas, é a primeira que permitiu, além do conhecimento relativo ao grupo que ocupou a área no passado, conhecer a cultura material ali existente, a preservação deste contexto em meio à urbanização do bairro, através de demarcação, sinalização e programa de educação patrimonial com os diversos públicos (moradores da região, empreendedor e comunidade escolar do bairro).

“O Sítio Arqueológico Amarílis trata-se do primeiro sítio arqueológico devidamente protegido e sinalizado na área urbana do Município”, enfatiza Luciana, ao lembrar que esse estudo remete a um contexto mais amplo e diversificado de grupos que atuaram na ocupação do território. “A arqueologia nos proporciona conhecer melhor os grupos pré-coloniais que ocupavam a região, como os Mbya Guarani, Minuano e Charruas.”

Área de preservação
A área de preservação ambiental previamente delimitada pela Secretaria de Qualidade Ambiental (SQA) coincide com uma porção do sítio arqueológico, que ficará preservada como testemunho. Pelo mapa à exposição no local, a linha pontilhada em branco identifica a área total do sítio delimitada em fase anterior de pesquisa, um polígono que se estende sobre o espaço loteado. “Esta área foi objeto de estudo, onde foi resgatado o material indígena e poderá ser loteada, de acordo com as diretrizes do Iphan. Já a linha pontilhada em vermelho ficará preservada”, explica Luciana.

Um pouco da história
O professor do curso de Arqueologia da UFPel, Gustavo Peretti Wagner, conta que o passado mais remoto e as histórias das populações indígenas que se antecederam, nessa região, estão registrados exclusivamente nos sítios arqueológicos. “Existem diversos sítios, nem todos são Guarani. Estes são identificados pela presença de pontas de flechas de pedra lascada, bolas de boleadeira, instrumentos de corte para o processamento das caças (facas)”, narra. No Pontal da Barra, vizinho ao Amarilis, segundo o professor, há dezenas de cerritos, pequenas elevações construídas em terra onde aparecem vasilhas de cerâmicas lisas e decoradas.

A proximidade com a Lagoa dos Patos está atrelada ao modo de vida desse povo. “As populações Guarani pré-históricas são conhecidas por serem grandes especialistas no manejo das matas, na horticultura, pesca e navegação. São grandes canoeiros. Os deslocamentos diários são preferencialmente embarcados. É justamente por isso que os sítios estão sempre às margens dos grandes corpos d’água”, justifica. Além disso, as aldeias onde viviam famílias clânicas, com uma organização política que integrava diversas aldeias (diversos sítios) baseada nos laços de parentesco. “A identificação de mais um sítio Guarani em Pelotas permite a compreensão desse modo de vida passado, de suas atividades diárias, da diversidade de seus elementos culturais e da rica contribuição dos antecedentes indígenas na sociedade atual.”

Imbróglio
O residencial Amarília sempre foi alvo de críticas em função da área verde existente no local, que virou loteamento e condomínio aberto. De acordo com o representante jurídico do empreendimento, o advogado Álvaro Devitta, no estudo prévio, bem simplificado e previsto por Lei, não havia indicação de indício arqueológico. “Com isso, após a descoberta, todas as exigências feitas pela Secretaria de Qualidade Ambiental e pelo Iphan, o Navarini não se esquivou e vem cumprindo com as determinações do TAC, tanto que a área verde aumentou dos 20 mil metros quadrados para 40 mil metros quadrados”, aponta. Além disso, o condomínio abriga uma trilha ecológica em meio à mata atlântica. O resultado deste termo de ajuste vai além e proporcionará o recadastramento arqueológico de todos os sítios da região.

Conforme a SQA, foi feito todo o acompanhamento da obra através dos seus técnicos. Em nota à reportagem, a pasta afirma que todas as licenças liberadas são pautadas conforme a legislação e respeitando as orientações do Iphan e do MP. Diz, ainda, que dentro do processo de licenciamento foram feitos os devidos procedimentos legais, sendo a empresa responsável pelo empreendimento notificada.

A Secretaria diz também que, em relação ao loteamento Amarílis, a empresa que executou a obra teve que realizar um Projeto de Recuperação da Área Degradada (Prad), assim como novos estudos de implantação do empreendimento, ainda mais restritivos que os já aprovados, e novos laudos atualizados da área, sendo este Prad executado pela empresa.

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